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Brasil, o país da natação

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07/12/2014 16h00

Se fosse roteiro de filme, muitos diriam ser inverossímil. O Brasil chegava ao último dia do Campeonato Mundial de piscina curta, em Doha, com chances de terminar na liderança o quadro geral de medalhas. Mas, para isso acontecer, teria que vencer todas as quatro provas em que tinha chances de ouro, e torcer para os nadadores húngaros perder as duas em que eram favoritos.

Inverossímil, porque nunca o Brasil havia conquistado quatro ouros em um dia de mundial. Katinka Hosszu, a melhor nadadora de piscina curta do mundo, era favorita nos 200m livre. E, nas provas de velocidade que o Brasil competiria, sabe-se que para dar tudo certo é preciso que as estrelas estejam alinhadas.

O pontapé inicial de Cielo

Ironicamente, o início da saga em busca da liderança do quadro de medalhas começou com o título mais inesperado do dia, do nadador mais badalado do Brasil. Com a velocidade que Florent Manaudou vinha demostrando, Cesar Cielo entrou nos 100m livre como franco atirador. Mas, se existe algum nadador do mundo excepcional em entender o que precisa trabalhar para chegar ao topo, esse alguém é Cielo. "Sabia que ele estava muito rápido nas provas de 50m, e que por isso ele poderia não ter resistência para aguentar bem os 100m e que iria travar no final", disse ele após a prova. Com essa diferenciada capacidade de leitura da prova, controlou o francês até os 75 metros e atacou no final. O tempo de 45s75 é um centésimo acima do recorde sul-americano, mas isso foi o que menos importou. A vitória por seis centésimos foi uma redenção. Esse Mundial mostrou a Cielo que ainda há muito a trabalhar e terá que lutar muito para ficar no topo da velocidade. Mas ao menos o sabor amargo dos 50m livre deu lugar a uma efusiva comemoração.

Cesar Cielo: vitória inesperada nos 100m livre para muita gente, menos para ele (foto: Satiro Sodré)

Cesar Cielo: vitória inesperada nos 100m livre para muita gente, menos para ele (foto: Satiro Sodré)

O feito histórico de Etiene

Cielo ainda dava entrevistas quando Etiene Medeiros caiu para os 50m costas. Estava entre as favoritas ao ouro, mas o desfecho foi melhor que a encomenda: 25s67, recorde mundial, primeira medalha em mundial da história a natação feminina. Seu campeonato foi irrepreensível: 25s83 abrindo o revezamento misto, 26s03 no revezamento feminino, 25s99 na semifinal. A mais regular e a mais rápida da competição. Ainda há muito que trabalhar para brilhar também nos 100m costas, prova olímpica, mas a evolução mostra que está no caminho certo.

Etiene Medeiros: feito inédito (foto: Satiro Sodré)

Etiene Medeiros: feito inédito (foto: Satiro Sodré)

A confirmação de França

Veio a prova que o ouro para o Brasil era mais esperado. Felipe França nos 50m peito não deu chances para a concorrência e com 25s63 venceu com recorde sul-americano e de campeonato. Nao foi uma prova perfeita: deslizou na virada e não encaixou perfeitamente a chegada. Poderia até ter ameaçado o recorde mundial de 25s25. E, mesmo assim, não deixou dúvidas quem manda na velocidade do nado de peito no mundo. O pódio foi simbólico: abaixo de França, o britânico Adam Peaty, recordista mundial na longa, e o sul-africano Cameron van der Burgh, recordista mundial na curta. Hoje, França é o rei. E, ao contrário do mundial de 2010, em que ele também venceu os 50m, nesse mundial França também chegou na frente nos 100m com autoridade, criando excelente perspectiva para grandes performances na prova olímpica em piscina longa. Foi seu quarto ouro em Doha, e ainda viria mais.

Felipe França: largada para a glória (foto: Satiro Sodré)

Felipe França: largada para a glória (foto: Satiro Sodré)

A ajuda húngara

Entre a prova de França e o revezamento 4x100m medley masculino, a tarefa brasileira foi secar os húngaros. E até nisso o Brasil foi bem sucedido. Gergely Gyurta era um dos favoritos nos 1500m livre, mas terminou na 11ª posição em uma prova vencida com autoridade pelo italiano Gregorio Paltrinieri com 14min16s10, segundo melhor tempo da história. A dama de ferro Katinka Hosszu esperava bater o recorde mundial dos 200m livre. Ela até desafiou a marca, mas a sueca Sarah Sjostrom foi ainda melhor. Esta, aliás, o destaque individual do último dia: recordes mundiais nos 100m borboleta (54s61) e 200m livre (1min50s78).

Brasil, campeão mundial

Para liderar o quadro de medalhas, o Brasil agora dependia só de si. Mas esqueceram de avisar as outras equipes do 4x100m medley, em especial os Estados Unidos. Guilherme Guido abriu em terceiro no costas com 50s11, tempo que lhe daria a prata na prova individual. No peito, Felipe França manteve o terceiro, atrás de Estados Unidos e Grã-Bretanha, com 56s73, um pouco aquém de sua capacidade, provavelmente pelo cansaço em sua quinta prova. Marcos Macedo passou o borboleta em um ritmo alucinante e cansou muito no final, mas conseguiu nadar abaixo de 50s (49s63) e entregou na quarta posição para Cielo, 75 centésimos atrás de Ryan Lochte. Tirou 35 nos primeiro 50m, e ultrapassou o americano nos últimos metros. Parcial inacreditável de 44s67. O Brasil não liderou a prova em nenhum momento, exceto no que mais importava: na batida final. Vitória com recorde sul-americano de 3min21s14.

Equipe do revezamento 4x100m medley: Cielo, França, Macedo e Guido (foto: Satiro Sodré)

Equipe do revezamento 4x100m medley: Cielo, França, Macedo e Guido (foto: Satiro Sodré)

E, com mais emoção que a encomenda, o cenário inverossímil se concretizava. Quatro ouros no dia, sete no total, 10 medalhas, contra seis ouros da Hungria. A FINA dá um prêmio para os países que lideram um quadro de pontos elaborado pela entidade. Mas o que todo mundo vê é o quadro de medalhas. Nisso, o Brasil se consagrou em Doha.

Avalanche de recordes

E o Brasil se consagra no mundial de curta mais recordista da história. Com seis no último dia, o total subiu para 23, contra 18 da edição de Manchester, em 2008. A adição dos revezamentos 4x50m prejudica a comparação. Mas um número diz muita coisa: foram 14 recordes em provas individuais, contra somente seis das últimas duas edições somadas (2010 e 2012). Uma das mais fortes competições da história.

Além das marcas já citadas, as holandesas bateram o recorde do 4x50m livre duas vezes (1min35s74 nas eliminatórias e 1min34s24 na final, com um inacreditável parcial de 22s88 de Ranomi Kromowidjojo), prova que o Brasil terminou em oitavo com recorde sul-americano, e o alemão Markus Deibler superou a marca dos 100m medley (50s66), na qual Henrique Rodrigues, e m 6º com 52s20, também conseguiu o recorde continental.

Markus Deibler: recordista mundial dos 100m medley (foto: divulgação)

Markus Deibler: recordista mundial dos 100m medley (foto: divulgação)

Outros vencedores do dia: o polonês Radoslaw Kawecki (200m costas, 1min47s38), a japonesa Kanako Watanabe (200m peito, 2min16s92), o sul-africano Chad Le Clos (200m borboleta, 1min48s61), a holandesa Ranomi Kromowidjojo (50m livre, 23s32) e equipe dinamarquesa de revezamento feminina (4x100m medley, 3min48s86).

No feminino, Katinka Hosszu, com oito medalhas (quatro ouros, três pratas e um bronze), é a mais condecorada de todos os tempos em uma edição. Ryan Lochte, em 2012, também conseguiu oito, mas oito individuais, como Katinka, ninguém havia conquistado. No masculino, Chad Le Clos, individualmente, foi quem mais brilhou, com quatro ouros. Mas nenhum homem conseguiu mais vitórias que Felipe França: cinco ouros, sendo dois individuais e três em revezamentos. Nunca nenhum brasileiro havia terminado um mundial com essa honraria.

Soma-se a liderança no quadro de medalhas, o título mundial de águas abertas de 2013 e as vitórias masculina e feminina no circuito de maratonas aquáticas em 2014. Hoje, em 7 de dezembro do ano da graça de 2014, o Brasil é o país da natação.

Por Daniel Takata

Sobre o Autor

Daniel Takata
Redator da Revista Swim Channel. Tem colaborado com os principais veículos impressos e eletrônicos sobre natação e vem comentando competições no SporTV.

Guilherme Freitas
Jornalista da Revista Swim Channel e correspondente internacional de imprensa da FINA (Federação internacional de Natação), formado pela FMU e pós-graduado em Globalização pela Escola de Sociologia e Política.

Patrick Winkler
Editor- Chefe da Revista Swim Channel, Colunista da Radio Bradesco Esportes FM. Graduado em administração de empresas na Universidade Mackenzie, e pós-graduado em Gestão do Esporte pelo Instituto Trevisan.

Mayra Siqueira
Repórter da Revista Swim Channel e jornalista esportiva da Rádio CBN. É correspondente da FINA (Federação internacional de Natação) no Brasil e é colunista de natação para o Blog Esporte Fino, da Carta Capital.

Sobre o Blog

A Swim Channel é uma editora formada por nadadores que escreve exclusivamente sobre natação sendo eleita a melhor revista do segmento no mundo inteiro no ano de 2012. Através deste Blog, consegue fomentar noticias diárias aumentando o alcance do conteúdo editorial. Acompanhe entrevistas com atletas e personalidades, cobertura dos principais eventos, análises das diversas áreas relacionadas a nossa modalidade.

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