A despedida de Michelle Lenhardt

Em um país como o Brasil, onde sabidamente em esportes como a natação os grandes nomes são via de regra fruto de esforços individuais, atletas que tenham disputado Jogos Olímpicos e Campeonatos Mundiais e/ou que tenham medalhado em Jogos Pan-Americanos merecem toda a reverência. Por serem poucos, não é todo dia que um atleta desse se despede do esporte, e quando o fazem deixam um vazio.

Foi o que fez ontem Michelle Lenhartdt. Em uma nota deixada em sua página no Facebook, anunciou sua aposentadoria após um período difícil de lesões que prejudicaram suas performances nos últimos anos.

Assim como esse período difícil foi seguido de uma grande mudança em sua vida, no caso sua aposentadoria para se dedicar à carreira de publicitária, sua carreira foi marcada por reviravoltas conseguidas após frustrações que fariam muitos desistirem. Não foi o caso dela. O sol brilha depois da tempestade, diz o ditado. E isso ela seguiu à risca.

Michelle Lenhardt

Até 2004, ela defendeu o Grêmio Náutico União, de Porto Alegre, e se dedicava mais a provas do nado de peito, com resultados modestos em Troféus Brasil e José Finkel. Com 24 anos, recebeu o conselho de um técnico para parar de nadar, pois já estaria velha para o esporte. Foi o primeiro baque. Inconformada, mudou a vida totalmente e se mudou para Santos, para treinar na Unisanta. Longe da família e em um ambiente totalmente diferente, seu futuro era uma incógnita.

Passou a se dedicar às provas de livre, e um ano depois já não nadava provas de peito. A evolução foi notável. Com nova motivação, passou a conseguir mais finais nos campeonatos brasileiros e em 2006 conquistou sua primeira medalha em brasileiros absolutos, um 3º lugar nos 100m livre no Troféu José Finkel. De quase ex-nadadora, passou a ser um nome forte para integrar a seleção brasileira para os Jogos Pan-Americanos do Rio, em 2007. Mas outro baque: mesmo estando entre as melhores do país, o que lhe daria o direito de integrar o revezamento 4x100m livre, ela não pôde disputar a competição. Chegou a ser pré-convocada, mas foi cortada, pois havia um limite de dois atletas para revezamentos que não estivessem disputando provas individuais. Era o caso dela, de Tatiana Lemos e de Fernando Silva.

Após essa nova frustração, resolveu mudar novamente. Trocou a Unisanta pelo Pinheiros. E chegou a 2008 pronta para brigar por uma vaga olímpica. Em uma tomada de tempo no Troféu Maria Lenk, em maio, com Flavia Delaroli, Tatiana Lemos e Monique Ferreira, bateu o recorde sul-americano do revezamento 4x100m livre, e o tempo serviu para colocar a equipe na briga pelas últimas quatro vagas olímpicas que restavam (as outras 12 haviam sido preenchidas pelas melhores equipes do Mundial do ano anterior, em Melbourne). A agonia pareceu eterna, mas finalmente no início de julho a FINA confirmou que o revezamento disputaria os Jogos de Pequim. Michelle realizava seu grande sonho e de quebra se tornava a primeira nadadora gaúcha da história a representar o Brasil em uma Olimpíada. Em Pequim, bateu novamente o recorde sul-americano da prova e a equipe brasileira terminou na 13ª posição.

O sonho olímpico estava realizado, mas faltavam ainda outras conquistas. Em 2009, conseguiu sua primeira vitória em brasileiros absolutos, no Troféu Maria Lenk, nos 100m livre. Disputou o Mundial de curta de 2010 e o de longa de 2011, e no mesmo ano correu o risco de novamente ser cortada dos Jogos Pan-Americanos devido a um problema parecido com o de 2007, mas dessa vez tudo deu certo e em Guadalajara conseguiu a medalha de prata com o revezamento, a que ela considera a mais valiosa da carreira. Também em 2011 disputou os Jogos Mundiais Militares no Rio de Janeiro e conquistou três medalhas, sendo uma de bronze individual no 50m livre.

Na época, já sofria com uma lesão no quadril que também afetou sua coluna, compromentendo seus resultados. A piora da lesão fez com que ela sequer conseguisse disputar todas suas provas no Troféu Maria Lenk de 2012, seletiva olímpica. Não foi a Londres e passou por uma cirurgia de risco, da qual felizmente se recuperou totalmente. Nadou o Troféu Maria Lenk há três semanas. Foi o último ato de sua carreira, que teve momentos difíceis nessa fase final. Mas, como aconteceu em 2004 e 2007, ela está acostumada a transformar adversidades em vitórias. O sol continuará brilhando para a ex-nadadora Michelle Lenhardt.

Certa vez, ela disse que "a idade está somente na mente." Quem começou a se destacar no cenário nacional após os 25 anos, conseguiu sua primeira vitória em brasilieiros absolutos aos 29 e com 31 foi medalhista em Pan tem muita propriedade para proferir essa frase. Milton Nascimento e Lô Borges cantam em Clube da Esquina nº 2 que os sonhos não envelhecem. Eles não estavam falando de Michelle, mas bem que poderiam.

Por Daniel Takata

Michelle Lenhardt, em ensaio fotográfico para a Swim Channel em 2011