O maior feito da história das águas abertas do Brasil
Quando Poliana Okimoto e Ana Marcela Cunha finalizaram os 5 km na segunda e na terceira posições no Mundial de Barcelona, no último sábado, muitos pensaram ser o auge das águas abertas do Brasil. Como Poliana mesmo disse após a prova, na entrevista coletiva, é muito difícil uma delas chegar ao pódio, quanto mais duas, em uma prova tão imprevisível. Prata e bronze numa mesma prova de Mundial era algo que jamais havia sido alcançado pela natação brasileira.
Pois nada está tão bom que não possa melhorar. A emoção foi muita hoje no Moll de la Fusta, o porto de Barcelona. Ambas chegarem ao pódio na prova dos 10 km, o evento nobre das maratonas aquáticas, a única prova de águas abertas presente em Jogos Olímpicos, novamente era possível, mas do jeito que foi não poderia ser previsto nem pelo mais otimista. O ouro de Poliana e a prata de Ana Marcela é o maior feito da história da natação brasileira em Campeonatos Mundiais, ao lado dos ouros com recordes mundiais de Ricardo Prado em 1982 nos 400m medley e de Cesar Cielo em 2009 nos 100m livre.
As brasileiras competiam com rivais de peso. Entre elas, a campeão olímpica Eva Risztov (Hungria), a bicampeã mundial Keri-Anne Payne (Grã-Bretanha) e a atual campeã pan-americana Christinne Jennings (Estados Unidos). Todas elas não haviam nadado os 5 km e teoricamente estariam mais descansadas.
A prova começou tensa para Poliana. Com cerca de 13 minutos de prova, levou uma bandeira amarela da organização, que significa uma advertência (duas advertências significam expulsão da prova). Após a prova, seu treinador Ricardo Cintra confidenciou: "Ela nunca havia tomado uma bandeira amarela antes. Fiquei bem nervoso, pois qualquer coisa ela poderia ser expulsa."
Durante a primeira metade da prova, Risztov liderou a maior parte do tempo, lutando contra Payne, a italiana Martina Grimaldi e a espanhola Erica Villaecija. Na marca dos 5 km, Poliana e Ana Marcela se mantinham entre as 10 primeiras colocadas, se preparando para o ataque. Faltando 2,5 km, mostraram que a estratégia já funcionava, e já estavam entre as cinco primeiras. O locutor oficial da competição, profeticamente, anunciou que o final da prova seria épico.
Faltando um quilômetro, Ana Marcela deu um sprint e assumiu a primeira colocação, deixando Poliana, Grimaldi e a alemã Angela Maurer emparelhadas na segunda posição. Logo Poliana atacou. Faltando 500 metros, viam-se duas toucas brasileiras brigando pela primeira posição em um Mundial. Mas não uma briga desleal, com tapas e jogo de corpo, como muitas vezes observamos em águas abertas. Como destacou Ricardo Cintra, "elas se respeitaram, como tem que ser mesmo, e a briga foi totalmente na água." Não deram espaço para Maurer, que tentava atacar.
As brasileiras chegaram quase juntas em direção à chegada. Poliana havia perdido o ouro nos 5 km por dois décimos para a americana Haley Anderson. Desta vez, tocou 3 décimos à frente de Ana Marcela, com o tempo de 1h58m19s2. A história estava feita em Barcelona.
Ainda na água, trocaram um efusivo abraço. Ana Marcela estava radiante. Juntava a medalha de prata à de bronze conquistada nos 5 km, e disse que vai com tudo para o ouro nos 25 km. "Vai ser mais fácil, pois a Poli não vai nadar", brincou.
Poliana, por sua vez, era só emoção. Entre lágrimas, mal conseguia falar. Enroladas na bandeira brasileira, as duas posaram para as fotos. Como não poderia deixar de ser diferente, lágrimas no pódio e na arquibancada durante a execução do hino nacional, cantado a plenos pulmões pelos brasileiros presentes.
"A ficha ainda não caiu", disse Ricardo Cintra. "Depois da decepção olímpica no ano passado, ela quase parou de nadar", declarou, se referindo à prova de 10 km em Londres, quando Poliana, candidata à medalha, abandonou a prova com hipotermia. "Foi muito difícil, mais pelo fator psicológico, voltar a treinar, a me dedicar", completou Poliana. "Ter saído da prova em Londres foi um baque muito grande, mas a gente aprende muito mais com os erros do que com os acertos. Aprendi a me superar. Me superei nos 5 km após ter tido uma indisposição estomacal no dia anterior, e agora novamente."
Ana Marcela também destacou sua superação. "Fiquei fora dos Jogos Olímpicos de 2012 por ter ficado em 11º na seletiva (só as 10 primeiras se classificavam). Foi muito difícil assistir os Jogos pela televisão. A medalha de prata é uma vitória, já pensando nos Jogos Olímpicos de 2016."
Cintra destacou que Poliana e Ana Marcela têm uma rivalidade sadia e que uma é muito importante para a outra. As constantes disputas entre elas nas mais diversas competições, sejam em solos brasileiros ou internacionais, as motivam e fazem-nas treinar mais forte. "Além disso, elas entraram mordidas nessa competição por não terem tido o ano que esperavam em 2012", completou.
As maratonas aquáticas deram ao Brasil resultados inéditos em todas as provas nadadas até agora. Além de Poliana e Ana Marcela, Samuel de Bona terminou os 5 km na 6ª posição e Allan do Carmo ficou em 7º nos 10 km, ambos conseguindo as melhores colocações da história brasileira nessas provas. Igor de Souza, coordenador técnico de águas abertas da Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos, destacou o apoio que os nadadores tiveram, com trabalhos individualizados, profissionais especializados, preparação em altitude e em outros países, como essencial para os resultados. E, claro, a dedicação dos atletas. "O grupo é muito unido, muito dedicado. Até hoje ninguém saiu, ninguém! Todos estão muito focados, é um grupo muito CDF", brincou.
Com as medalhas, as brasileiras fecham um ciclo em Mundiais de Esportes Aquáticos. Ana Marcela já havia vencido os 25 km em 2011, e agora em Barcelona conseguiu uma prata e um bronze. Poliana junta seu ouro nos 10 km e sua prata nos 5 km ao bronze conquistado nos 5 km em 2009. Ou seja, ambas completaram a coleção de medalhas.
Mas não estão satisfeitas. Quinta-feira Poliana nadará a prova de equipes, ao lado de Samuel de Bona e outro nadador (está entre Luiz Rogério Arapiraca e Allan do Carmo). No sábado, Ana Marcela defenderá seu título nos 25 km. Elas querem mais. A julgar pelo preparo e mentalidade das melhores nadadores da história das águas abertas do Brasil, podemos nos preparar. Mais história será feita em Barcelona.
Por Daniel Takata
Sobre o Autor
Redator da Revista Swim Channel. Tem colaborado com os principais veículos impressos e eletrônicos sobre natação e vem comentando competições no SporTV.
Guilherme Freitas
Jornalista da Revista Swim Channel e correspondente internacional de imprensa da FINA (Federação internacional de Natação), formado pela FMU e pós-graduado em Globalização pela Escola de Sociologia e Política.
Patrick Winkler
Editor- Chefe da Revista Swim Channel, Colunista da Radio Bradesco Esportes FM. Graduado em administração de empresas na Universidade Mackenzie, e pós-graduado em Gestão do Esporte pelo Instituto Trevisan.
Mayra Siqueira
Repórter da Revista Swim Channel e jornalista esportiva da Rádio CBN. É correspondente da FINA (Federação internacional de Natação) no Brasil e é colunista de natação para o Blog Esporte Fino, da Carta Capital.
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