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Garota do futuro

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18/09/2013 05h00

Certa vez, o nadador britânico Simon Burnett disse a respeito de Michael Phelps: "acho que descobri de onde ele veio. Ele não é da nossa época. Ele vem do futuro. Seu pai construiu uma máquina do tempo e o enviou para cá. Daqui muitos anos, ele terá sido um nadador mediano. Mas ele voltou no tempo para acabar com a gente nas piscinas." Uma bela maneira de dizer que Michael Phelps estava à frente de seu tempo.

Não há dúvidas que Phelps era um fenômeno. Mas, se existiu uma nadadora que poderia muito bem ser competitiva muitos anos após sua época, ela é a americana Mary T. Meagher. O apelido Madame Butterfly não é a toa. Ela foi campeã olímpica e bateu recordes mundiais em sete ocasiões. Mas seus dois recordes obtidos no Campeonato Americano de 1981 já justificam toda a fama. Já chegamos lá.

Seu primeiro recorde mundial, nos 200m borboleta, foi obtido nos Jogos Pan-Americanos de San Juan, em Porto Rico. Tinha 14 anos. Nos 100m, ela se tornou a mais rápida da história em abril de 1980. Chegaria à Olimpíada de 1980 com favoritismo amplo em suas especialidades.

Chegaria. Se não fosse o boicote político comandado pelo presidente Jimmy Carter, em protesto pela invasão da União Soviética ao Afeganistão. Alguns dos maiores nadadores da história, como Tracy Caulkins, Rowdy Gaines, e outros, tiveram que assistir a Olimpíada pela televisão. Assim como Mary T. Meagher, que teve o sonho de uma vida roubado de uma hora para outra. Recentemente, ela confidenciou: "na época, cheguei a pensar em suicídio."

Mary T. Meagher (foto: Chris Georges/Swimming World)

Felizmente, foi um pensamento passageiro, e ela se concentrou em se aprimorar nas áreas que podia controlar: na piscina, nos treinos, nas competições. Com isso, o mundo viu florescer a maior nadadora de borboleta da história.

E é aí que chegamos no já comentado Campeonato Americano de 1981.  Foi quando muita gente realmente deve ter acreditado ter topado com uma nadadora vinda do futuro. Foi a consagração. Não era nenhuma Olimpíada ou Campeonato Mundial, mas não há hora certa para a história ser feita.

Nos 100m borboleta, somente três nadadoras, além dela, haviam nadado abaixo do minuto até então. Pois Mary T. Meagher completou a prova em 57s93, superando sua marca mundial em 1s33. Ou seja, ninguém havia sequer nadado para 58s. A sensação na época é que a americana estava pelo menos uns vinte anos à frente de seu tempo. A longevidade da marca viria confirmar esse sentimento. O recorde foi comparado ao de Bob Beamon, que na Olimpíada de 1968 estabeleceu no salto em distância o mais impressionante recorde da história dos esportes (e que continua como recorde olímpico até hoje).

Nos 200m, outro recorde histórico. Na realidade, com 2min05s96, ela não causou tanto espanto, melhorando 41 centésimos sua marca anterior. Um recorde que ela já vinha baixando desde 1979. Mas não deixa de ser impressionante observar que, quando ela superou o recorde pela primeira vez, a marca era de 2min09s87. Ou seja, abaixou a marca em quase quatro segundos em apenas dois anos. Cerca de um ano antes, em 1980, o recorde brasileiro da prova era de 2min06s10. Detalhe: recorde masculino! Era ostentado por Djan Madruga, que em 1981 abaixou para 2min03s48. Por muito pouco, a americana não fez uma marca melhor que a melhor marca brasileira dos homens. Já pensou? Esse recorde foi eleito pela revista Sports Illustrated como a quinta melhor performance individual da história de todos os esporte.

É bom lembrar que essas marcas foram obtidas sem óculos, sem trajes. E sem as explosões de golfinhadas após saídas e viradas que nos acostumamos ver de 2000 para cá. Se compararmos só o tempo de nado de Mary T. Meagher, desconsiderando saídas e viradas, talvez ela seja até mais rápida que as vencedoras do último Mundial de Barcelona. Reparem no vídeo abaixo, de seu recorde mundial dos 200m borboleta, que ela começa a nadar após as viradas antes de completar 5 metros submersa, algo completamente impensável hoje em dia.

Seu técnico na época, Dennis Pursley (o mesmo que comandou a natação britânica na Olimpíada de Londres, no ano passado), disse certa vez que "Mary, em sua adolescência, simplesmente não tinha pontos fracos. Cada atleta com quem trabalhei tinha alguma fraqueza, seja em termos de motivação, técnica ou atributos físicos. Mas Mary era a exceção."

Em 1984, finalmente realizou o sonho de sua vida. Nadou a Olimpíada em seu país e conquistou três ouros nos Jogos de Los Angeles, em suas especialidades e no revezamento medley. Até o final de sua carreira, seus adversários foram seus recordes de 1981 e as nadadoras alemãs orientais, que faziam parte de um esquema de doping sistemático, descoberto anos mais tarde após a queda da cortina de ferro. Estas, ela superou de 1982 a 1988 – nos 200m borboleta, ficou imbatível nesse período.

Quanto a seus recordes, não chegou mais perto deles. Nos 100m borboleta, por exemplo, jamais chegou a abaixar de 59s novamente. "Se alguém dissesse para mim em 1981 que eu nadaria mais sete anos e não quebraria meus recordes, iria ir e diria, 'você é louco"', disse ela anos depois. "Acho que tinha um 2min04s em mim (nos 200m borboleta). Os 2min05s foram tão fáceis. Talvez se eu tivesse um pouco de pressão, mas sempre nadei contra o relógio."

O último ato de sua carreira foi o bronze na Olimpíada de Seul, em 1988, nos 200m borboleta, atrás justamente de duas alemãs orientais – uma das quais, Birte Weigang, medalhista de prata, reconhecidamente teve problemas de saúde após encerrar a carreira devido ao uso indiscriminado de esteróides.

Mary T. Meagher há 30 anos, sem óculos e com touca de latex: ainda seria competitiva internacionalmente nos dias de hoje (foto: divulgação)

De qualquer forma, o auge de Mary T. Meagher já havia passado. Sua última prova foi completada em 2min10s80, quase cinco segundos acima de seu melhor. Mas, àquela altura, ela já havia marcado seu nome na história da natação.

Seus recordes de 1981 duraram quase 20 anos. O dos 100m foi quebrado em 1999 por sua compatriota Jenny Thompson. O dos 200m, em 2000, pela australiana Susan O'Neill. Nesta prova, Meagher teria vencido o Mundial de 2007 com seu 2min05s96, e este ano teria ficado na quarta colocação no Mundial de Barcelona.

Hoje, com seus tempos de mais de 30 anos atrás, Mary T. Meagher seria uma nadadora competitiva em nível internacional. O que Simon Burnett disse a respeito de Michael Phelps seria mais apropriado a ela. Essa sim estava anos à frente de seu tempo. E isso explica o sentimento geral naquele ano de 1981: que ela havia vindo do futuro.

Por Daniel Takata

Mary T. Meagher (foto: Swimming World)

Sobre o Autor

Daniel Takata
Redator da Revista Swim Channel. Tem colaborado com os principais veículos impressos e eletrônicos sobre natação e vem comentando competições no SporTV.

Guilherme Freitas
Jornalista da Revista Swim Channel e correspondente internacional de imprensa da FINA (Federação internacional de Natação), formado pela FMU e pós-graduado em Globalização pela Escola de Sociologia e Política.

Patrick Winkler
Editor- Chefe da Revista Swim Channel, Colunista da Radio Bradesco Esportes FM. Graduado em administração de empresas na Universidade Mackenzie, e pós-graduado em Gestão do Esporte pelo Instituto Trevisan.

Mayra Siqueira
Repórter da Revista Swim Channel e jornalista esportiva da Rádio CBN. É correspondente da FINA (Federação internacional de Natação) no Brasil e é colunista de natação para o Blog Esporte Fino, da Carta Capital.

Sobre o Blog

A Swim Channel é uma editora formada por nadadores que escreve exclusivamente sobre natação sendo eleita a melhor revista do segmento no mundo inteiro no ano de 2012. Através deste Blog, consegue fomentar noticias diárias aumentando o alcance do conteúdo editorial. Acompanhe entrevistas com atletas e personalidades, cobertura dos principais eventos, análises das diversas áreas relacionadas a nossa modalidade.

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