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Os esportistas mais populares de um país. A que custo?

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24/09/2013 05h00

Leisel Jones é uma das maiores nadadoras de todos os tempos não só da Austrália, mas também do planeta. Com nove medalhas olímpicas, somente quatro nadadoras possuem mais láureas que ela na história da competição. Na última década, foi um dos maiores, senão o maior, expoente do nado peito feminino do mundo.

Depois de ter disputado a Olimpíada de 2012, Jones encerrou a carreira. Agora, cursa psicologia. E não por acaso. Nos últimos dias, reportagens sobre ela foram publicadas na imprensa australiana, nas quais ela revela o lado sombrio de uma carreira vitoriosa.

Antes de tudo, é preciso entender o contexto. Em 2000, ela foi medalha de prata nos 100m peito na Olimpíada de Sydney. Tinha 15 anos. Foi então vista como o futuro da natação feminina australiana. No Mundial de 2003, quebrou o recorde mundial da prova na semifinal, mas piorou muito tempo na final e ficou na terceira posição. "Melhor aqui do que na Olimpíada do ano que vem", disse seu então técnico Ken Wood. Pois aconteceu também na Olimpíada: recorde olímpico na semifinal, medalha de bronze na final.

Após Atenas, deve depressão pela primeira vez. Sentindo que precisava corresponder às expectativas, trocou de técnico, de clube e se dedicou de maneira rigorosa para conquistar o ouro na Olimpíada de Pequim, em 2008.

Leisel Jones e o ouro de Pequim, em 2008 (foto: Al Bello/Getty Images)

Hoje, ela relembra que sua dedicação à natação foi excessiva, até psicótica. "Cruzei a linha da loucura. Isso me custou relacionamentos, família e vida social. Foi uma bagunça."

"Na época, eu não vivia. Apenas sobrevivia. Era tudo sobre a natação. Conquistei um ouro olímpico, mas a que custo? O preço foi minha saúde mental, meu bem-estar. Estou muito feliz de ter a medalha, mas o preço foi muito alto. Na época, a única coisa que importava era vencer. Olhando agora para trás, será que eu faria tudo de novo? Realmente não sei."

Em 2010, novamente teve depressão e pensamentos suicidas. Ela agradece a sua psicóloga na época, Lisa Stevens, pela recuperação. "Ela foi sensacional. Com ela, comecei a me preocupar antes de tudo com meu equilíbrio mental. Em 2010, pensava: 'se eu não tiver a natação, não tenho nada, então para quê vale a pena viver?' Na Olimpíada de Londres, eu havia percebido que a natação era somente algo que eu fazia, e não o que eu era." Em Londres, ela terminou os 100m peito na quinta posição. "Lidei muito bem aquilo. Se tivesse ficado em quinto em Pequim, teria sido um desastre."

Hoje, Jones cursa psicologia para poder estar a serviço dos atletas e ajudá-los da mesma forma como sua psicóloga a ajudou.

O que aconteceu com Leisel Jones, infelizmente, é algo recorrente com muitas estrelas da natação australiana.

Ian Thorpe em Atenas-2004 (foto: Stuart Franklin/Getty Images Sport)

A maior delas, Ian Thorpe, revelou no ano passado ter tido pensamentos suicidas ao longo da carreira e de afogar sua depressão em álcool antes da Olimpíada de Atenas, em 2004.

Geoff Huegill, ex-recordista olímpico dos 100m borboleta, tomou anti-depressivos por seis anos e adotou um estilo de vida desregrado após sua primeira aposentadoria, em 2004.

Libby Trickett, campeã olímpica dos 100m borboleta em 2008, também chegou perto de uma depressão em 2010, logo antes de sua primeira aposentadoria, a ponto de não conseguir sair da cama para treinar, desabada em lágrimas.

Petria Thomas, campeã olímpica dos 100m borboleta em 2004, teve problemas semelhantes. Tanto que hoje participa de um programa que ajuda pessoas com depressão através de conversas por telefone.

Até mesmo a maior estrela da atualidade, James Magnussen, teve problemas para lidar com a pressão. Na Olimpíada de Londres, ao perder o ouro nos 100m livre por um centésimo, chorou de maneira tão desesperadora após a prova que deixou preocupados muitos de seus companheiros e até adversários

O que nos leva à pergunta: por que isso acontece tanto com os nadadores australianos?

Na Austrália, a natação é um esporte nacional, patrimônio do país. Consequentemente, os nadadores são tratados como verdadeiras estrelas. A pressão que vêm junto, portanto, é enorme. Tudo envolvendo a natação toma grandes proporções. Os atletas são assediados por tabloides e com isso têm vida social restrita. É como se a cada quatro anos carregassem um país nas costas.

No ano passado, quando os australianos vieram para o Rio de Janeiro competir no Desafio Raia Rápida, notava-se claramente em seus rostos o alívio por poderem caminhar calmamente pelas ruas e não serem reconhecidos. A rotina deles é bem diferente no país natal. Não é surpresa que um nadador como Christian Sprenger, campeão mundial em Barcelona, tenha se oferecido para vir competir na edição deste ano, que acontecerá no próximo domingo. Para ele, provavelmente vale a pena cruzar o mundo e nadar uma competição em troca de alguns dias de anonimato.

Aqui no Brasil, podemos sentir uma certa inveja da Austrália, pela natação ser tão popular por lá. Mas, para os nadadores, especialmente os mais destacados, conviver com tudo que isso traz, como se vê, não é nenhum paraíso.

Por Daniel Takata

Sobre o Autor

Daniel Takata
Redator da Revista Swim Channel. Tem colaborado com os principais veículos impressos e eletrônicos sobre natação e vem comentando competições no SporTV.

Guilherme Freitas
Jornalista da Revista Swim Channel e correspondente internacional de imprensa da FINA (Federação internacional de Natação), formado pela FMU e pós-graduado em Globalização pela Escola de Sociologia e Política.

Patrick Winkler
Editor- Chefe da Revista Swim Channel, Colunista da Radio Bradesco Esportes FM. Graduado em administração de empresas na Universidade Mackenzie, e pós-graduado em Gestão do Esporte pelo Instituto Trevisan.

Mayra Siqueira
Repórter da Revista Swim Channel e jornalista esportiva da Rádio CBN. É correspondente da FINA (Federação internacional de Natação) no Brasil e é colunista de natação para o Blog Esporte Fino, da Carta Capital.

Sobre o Blog

A Swim Channel é uma editora formada por nadadores que escreve exclusivamente sobre natação sendo eleita a melhor revista do segmento no mundo inteiro no ano de 2012. Através deste Blog, consegue fomentar noticias diárias aumentando o alcance do conteúdo editorial. Acompanhe entrevistas com atletas e personalidades, cobertura dos principais eventos, análises das diversas áreas relacionadas a nossa modalidade.

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