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O conto de fadas às avessas de Ruta Meilutyte

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24/05/2019 00h56

Corria o dia 29 de julho de 2012. Eu estava na tribuna de imprensa do Centro Aquático de Londres. Na piscina, os nadadores competiam as eliminatórias do segundo dia de disputas dos Jogos Olímpicos.

Manhãs de eliminatórias, mesmo em grandes competições, não costumam causar grande frisson. A não ser em caso de recordes ou desempenhos surpreendentes.

E foi exatamente isso que aconteceu naquele dia.

Ao término da sessão, mesmo com a expectativa para a final da grande prova do dia, o revezamento 4x100m livre masculino, um assunto dominava as rodas de jornalistas: quem é essa garota que fez o melhor tempo nos 100m peito?

Recordo-me de estar sentado ao lado de um jornalista da Bielorrússia, com quem tinha trocado algumas palavras, e que se desdobrava para cobrir diversos esportes naquela Olimpíada para seu veículo.

Quando viu escrito SWIM CHANNEL em minha credencial, imaginou que, sendo eu um jornalista especializado no esporte, poderia ajudá-lo com informações sobre aquela garota.

Não pude deixar de reparar um olhar de decepção em seu rosto ao informá-lo que não sabia mais do que ele. "Então esse é o jornalista especializado?", deve ter pensado.

Mas, em minha defesa, mesmo os mais aficcionados não sabiam direito quem era Ruta Meilutyte. Afinal, não figurava sequer entre as 20 melhores do ranking mundial daquele ano.

Seu melhor tempo, obtido em março de 2012, era de 1min07s30, uma marca expressiva para uma jovem de 15 anos.

Mas, para almejar grandes voos, teria que melhorar cerca de dois segundos em quatro meses.

Por isso, não figurava no radar de ninguém. E, por isso, foi um assombro quando completou a eliminatória em 1min05s56, virando o principal assunto da natação olímpica naquele momento.

O show continuou na semifinal, com 1min05s21, e na final, com 1min05s47.

A menina de 15 anos, estreante em grande competições, derrotava a então campeã olímpica (a australiana Leisel Jones) e a então campeão mundial (a americana Rebecca Soni) e tornava-se campeã olímpica.

Ruta Meilutyte bate Rebecca Soni em Londres 2012 – Foto: Associated Press

Incrédula, Meilutyte parecia não acreditar no que havia alcançado, desde o momento que tocou a borda até a execução do hino nacional da Lituânia no pódio.

Era compreensível. Afinal, ela subvertia a lógica. Em geral, esportistas costumam galgar degraus em direção à glória. Vencem torneios nanicos, depois os pequenos, os médios, e aí sim estão desenvolvidos e maduros o suficiente para encarar competições de nível mundial e olímpico.

Meilutyte venceu um desses torneios pequenos, o Festival Europeu Olímpico da Juventude, em 2011, e a próxima parada foi o topo do pódio olímpico.

Ninguém entendeu nada.

(Inclusive, no calor daquela Olimpíada, muitos classificaram as vitórias de nadadores como Florent Manaudou nos 50m livre e Chad Le Clos nos 200m borboleta como grandes zebras. Coloquem em perspectiva e verão que, em termos de surpresa, nada chegou perto do que representou a vitória de Ruta Meilutyte)

Ruta Meilutyte em 2012: cara de menina, conquista de gente grande – Foto: Fabrice Coffrini/AFP/GettyImages

Depois da Olimpíada, conhecemos melhor sua história. Uma menina que perdeu a mãe aos quatro anos, em um acidente de carro, e que passou por tempos difíceis ao se mudar, com seu pai, da Lituânia para a Inglaterra em 2009, para ter melhores oportunidades de estudo e treinamento.

Parecia um conto de fadas. Mas, diferente das histórias de ficção, em que o percurso é cheio de obstáculos e o final é feliz, a trajetória de Meilutyte, também nesse ponto, vai na direção contrária.

Nos anos seguintes, mostrou-se uma força da natureza. Um furacão. Com uma explosão, ilustrada por suas saídas espetaculares, poucas vezes vista. Assim, conquistou tudo. E quando digo tudo, é tudo mesmo.

Venceu Mundiais de longa, curta e júnior, Jogos Olímpicos da Juventude, Europeu júnior, de longa e de curta, bateu recordes mundiais. Ninguém parecia capaz de pará-la. Entre 2012 e 2014, foi absoluta.

Mas foi um inimigo silencioso que freou seu ímpeto.

No Mundial de 2015, pela primeira vez desde 2012 saiu de uma grande competição sem uma vitória, ao terminar os 100m peito na segunda posição. Ali, o sucesso precoce e a fama instantânea já começavam a cobrar seu preço.

Afinal, sem muito preparo psicológico, de uma hora para outra ela precisou lidar com cobranças por resultados, a pressão da imprensa e a falta de privacidade. Tudo isso sendo nada mais do que uma adolescente.

Em pouco tempo, todo esse peso se transformou em uma depressão severa. Justamente às vésperas dos Jogos Olímpicos de 2016, nos quais sequer chegou ao pódio.

Ruta Meilutyte, após os 100m peito na Olimpíada de 2016: frustração – Foto: A. Pliadzio

Naquele momento, estava no fundo do poço. Utilizava medicamentos para fazer tarefas básicas como levantar da cama ou participar de uma sessão de treino.

Mais sobre seus percalços são detalhados nessa excelente reportagem de Paulo Conde, do Globo Esporte.

Deixou o treinador John Rudd, na Inglaterra, e foi treinar com Dave Salo nos Estados Unidos, em busca de novos ares, com vistas aos Jogos Olímpicos de 2020.

Disputou o Mundial de 2017 e o Europeu de 2018, sem chegar perto de suas melhores marcas. Esteve no Brasil em 2018 disputando o Troféu Brasil pelo Flamengo.

Há algumas semanas, veio a notícia de que Meilutyte não foi encontrada em três testes anti-doping surpresa no último ano, e com isso poderia sofrer uma suspensão de um a dois anos.

Juntando esse fato à falta de motivação e dificuldade de recuperar a antiga forma, essa semana divulgou nas redes sociais que está se aposentando aos 22 anos, com o status de uma das maiores nadadores de peito da história.

Nesses sete anos desde a Olimpíada de Londres, Ruta Meilutyte passou por altos e baixos que muita gente não têm por uma vida inteira.

Ela esperava que o final feliz para seu conto de fadas acontecesse com mais um ouro olímpico em 2020.

Mas, muitas vezes, a vida não imita a arte.

A carreira de Ruta Meilutyte não foi um conto. Foi realidade.

Sobre o Autor

Daniel Takata
Redator da Revista Swim Channel. Tem colaborado com os principais veículos impressos e eletrônicos sobre natação e vem comentando competições no SporTV.

Guilherme Freitas
Jornalista da Revista Swim Channel e correspondente internacional de imprensa da FINA (Federação internacional de Natação), formado pela FMU e pós-graduado em Globalização pela Escola de Sociologia e Política.

Patrick Winkler
Editor- Chefe da Revista Swim Channel, Colunista da Radio Bradesco Esportes FM. Graduado em administração de empresas na Universidade Mackenzie, e pós-graduado em Gestão do Esporte pelo Instituto Trevisan.

Mayra Siqueira
Repórter da Revista Swim Channel e jornalista esportiva da Rádio CBN. É correspondente da FINA (Federação internacional de Natação) no Brasil e é colunista de natação para o Blog Esporte Fino, da Carta Capital.

Sobre o Blog

A Swim Channel é uma editora formada por nadadores que escreve exclusivamente sobre natação sendo eleita a melhor revista do segmento no mundo inteiro no ano de 2012. Através deste Blog, consegue fomentar noticias diárias aumentando o alcance do conteúdo editorial. Acompanhe entrevistas com atletas e personalidades, cobertura dos principais eventos, análises das diversas áreas relacionadas a nossa modalidade.

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